I - DO HISTÓRICO DOS PESCADORES
Conforme os arquivos nacionais – Biblioteca Nacional – RJ. Em 1887 foi qualificada pela Marinha do Brasil a função de pescador. O Capitão de Fragata Fernando de Nabuco Donosor sabendo que os pescadores eram os verdadeiros conhecedores da geografia do mar, de seus portos e rotas, criou a qualificação de Pescador Profissional, inclusive com o objeto de obter informações sobre posições estratégicas de defesa do nosso litoral.
Em 1906 criou-se a 1ª Colônia de pesca do Brasil, exatamente em Jacarepaguá que se confundia (como até hoje) com a Barra e o Camorim. O acesso às lagoas e as praias era conhecido por caminho das pedrinhas, (hoje Ladeira São Gonçalo do Amarante, e o Caminho do pescador (hoje Av. Salvador Allende).
Por esta época, o complexo da Lagoa de Jacarepaguá e suas lagoinhas (aterradas dando lugar ao Rio Centro e ao Autódromo) constituía um berçário natural, alimentado pelos rios, córregos e o mar.
As colônias de pescadores inicialmente implantadas em três partes estratégicas no Brasil, com objetivos de observação militar foram: 1 colônia, Rio de Janeiro (de Sepetiba até a Ilha do Governador) 2ª Colônia, Espírito Santo e a 3ª Colônia, Bahia de São Salvador.
Em 1924, desdobrou-se a 1ª colônia (RJ.) em várias colônias de pescadores, atualmente a nossa é a Z-13 (abrange de Leme até o Recreio).
No Governo do presidente Getúlio Vargas, anos 40, com a política trabalhista, valorizando a figura do pescador, Getúlio cedeu sessenta mil contos de réis para a sede da colônia, que era em Jacarepaguá, se transferir para Copacabana, onde está até hoje. Observamos que os primeiros habitantes de Copacabana foram os pescadores e que nenhum mora atualmente na praia ou próximo, habitam eles hoje, em morros, favelas ou nas ruas.
Com o processo de urbanização desenfreado dos bairros da zona sul, em especial Copacabana (inicio do século XX) os pescadores do Caju, Ramos, Ilha do Governador, sob a pressão imobiliária, a poluição ambiental, industrial, uma legislação mais sindicalista e operaria, as grandes obras públicas, reduziram estas colônias de pescadores em apenas referencias históricas.
Reduzidos, os núcleos de pesca se transformaram por força de sua organização social em Associação de pesca, com o objetivo de maior intercâmbio entre os municípios. E seguindo a tendência histórica, sua geográfica e economia em Associação de Pescadores e moradores. A nossa Associação teve sua origem quando ainda vigorava o sistema de Capatazia criado pela Marinha do Brasil, que até hoje ainda nomeia a figura do Capataz. A Capatazia da Colônia em nossa área – Barra – Jacarepaguá era coordenada (1970) pelo Capataz Marco Aurélio, vulgo Russo, que sem condições de administrar uma grande área, cobiçada por especuladores imobiliários, pressionada pelo crescimento urbano, sofrendo toda espécie de degradação ambiental, teve sua figura de capataz extinta. Russo habitava com sua família e mais dezenas de pescadores, inclusive a família do falecido Tenório em área do entorno da Lagoa de Jacarepaguá. Com a construção do Rio Centro (Centro de Convenções e os prédios), todos os pescadores desta área foram expulsos. O pescador Tenório se abrigou próximo ao Autódromo e Russo próximo do Rio Centro (Camorim). Tenório foi assassinado por ocupar esta área e Russo mora hoje em favela do Camorim e é catador de ferro velho.
II - Do Histórico da Comunidade
Quando o Rio de Janeiro ainda era Estado da Guanabara, quando ainda não havia SERLA, FEEMA, Secretaria do Meio Ambiente, nem sequer havia ali luz da Light, quando ninguém queria morar pelas bandas da Barra e Jacarepaguá, porque era área rural, local deserto e inóspito, cheio de mosquitos, sem iluminação, água encanada e transporte, só pescadores ali habitavam por necessidade e questão de sobrevivência.
Desde 1962 aqueles pescadores ocupavam as margens da Lagoa de Jacarepaguá, que eles denominavam Lagoinha, parte da qual foi aterrada em 1975 para as construções do Autódromo de Jacarepaguá e de um conjunto residencial para a Aeronáutica.
Tanto estas construções quanto o aterro das pequenas lagoas existentes no local empurraram aqueles pescadores para uma estreita faixa de terra entre os muros do Autódromo e a sinuosa margem da lagoa.
A atual comunidade Vila Autódromo, nos seus quarenta anos de existência, originou-se daqueles pioneiros pescadores e suas famílias, passando sua história por quatro ciclos:
1º ciclo: Grupo de pescadores liderados pelo Srs. Pernambuco ( mora ate hoje na casa 48 da margem da lagoa), Tenório e Natal ( estes falecidos ). Naquela época tais pescadores e suas famílias viviam exclusivamente da pesca e trocavam o pescado por verduras com o Sr. Cornélio e Dna. Maria, que mantinham hortas próximas à Lagoa.
2º ciclo: Construção do Rio Centro
3º ciclo: Construção do Autódromo de Jacarepaguá
4º ciclo: Construção do Metrô
Com as grandes obras dos anos 70, muitos núcleos de pescadores foram deslocados e migraram para a região, formaram novas comunidades (Camorim, Rio das Pedras, Muzema) e agregaram-se as já existentes, como a Vila Autódromo, e organizaram-se em Associações de Pescadores e Moradores.
As construções do Rio Centro e do Autódromo trouxeram ainda muitos trabalhadores, que por não terem moradia ou morarem muito longe, acabaram transferindo-se para a região com as respectivas famílias, quando não formaram simplesmente novas famílias, integrando-se desta forma com os habitantes originais.
Com o final da última grande construção daquela época, a do Metrô, nova leva de operários migrou para a região em busca das oportunidades de trabalho propiciadas pelas construções e pelos novos condomínios da Barra e da pesca farta na Lagoa.
Aquela mescla de pessoas de diferentes origens formou a comunidade Vila Autódromo, que conseguiu se organizar juridicamente em 1987, ao fundar a Associação dos Moradores e Pescadores da Vila Autódromo – AMPAVA , com estatuto, sede própria, CGC, e demais formalidades legais. A partir daí a comunidade conquistou luz elétrica, água encanada, fossas assépticas e sumidouros em todas as residências, telefones, ruas traçadas, documentação formal e registro na Marinha e no Ibama para os remanescentes sessenta pescadores profissionais, duas igrejas evangélicas e um núcleo da Pastoral das Favelas da Igreja Católica. Tudo construído e organizado pelos próprios moradores, sem qualquer apoio governamental a despeito do IPTU pago por boa parte dos moradores com base na mesma planta de valores aplicada na Barra da Tijuca.
Em 1989, quando tínhamos na Prefeitura o Dr. Marcelo Alencar, este autorizou o assentamento, ali, de várias famílias oriundas da Comunidade Cardoso Fontes.
Em 1994 a antiga Secretaria da Habitação e Assuntos Fundiários do RJ, através do Processo Administrativo E-200011057/93, em decisão publicada no D.O. de 04/04/94, assentou legalmente na Vila Autódromo mais sessenta famílias.
Em 1997 cento e quatro famílias receberam titulação do Governo do Estado.
Em 1998 os moradores da faixa marginal da Lagoa receberam Concessão de Uso Real por noventa e nove anos da antiga Secretaria da Habitação e Assuntos Fundiários do RJ, publicada no D.O. de 31/12/98.
Em 12/01/2005 a Câmara Municipal do Município do Rio de Janeiro decretou parte da comunidade Área de Especial Interesse Social. ( Projeto 75-A/2004).
Atualmente 90% da comunidade tem casas de alvenaria embocadas e pintadas, com geladeiras e televisores. Parte significativa já dispõe de condução própria, uma necessidade dada a deficiência do transporte publico que serve a comunidade. Pode-se constatar “In loco” os bons hábitos sociais e a responsabilidade ambiental da comunidade, que é também ordeira, pacifica e produtiva, preocupa-se em manter uma relação harmoniosa e respeitosa com a Lagoa e seu ecossistema.
Observa-se também na comunidade grande evolução social das famílias, que ao longo dos anos conduziram seus filhos para o estudo e a formação profissional, ganhando assim a sociedade cidadãos formados mecânicos, eletricistas, pintores, bombeiros, costureiras, pedreiros, técnicos, professores, artistas, engenheiros, comerciantes e micro empresários. Atribuímos este desenvolvimento econômico, social, mental e psicológico à proximidade com a natureza e a Lagoa, alem da condição financeira decorrente de todos habitarem imóveis próprios, libertos portanto dos grilhões do aluguel.
III - Dos Sentimentos da Comunidade
Entendemos que a sociedade ética é aquela que tece compromissos de longo prazo, com direitos inalienáveis e obrigações, planejamento e projetos para o futuro, compromissos do tipo “ compartilhamento fraterno”, reafirmando o direito de todos e um seguro social contra os erros e desventuras, porque a atribuição que nos dão de “favelados” “feios” e "poluidores” não é uma questão de escolha, é antes o resultado da secessão. Somos lançados em um mundo de modernidade sem modernismo e a natureza dos “direitos humanos” é o direito a ter a diferença reconhecida e continuar diferente sem temor , todos em condições de igualdade.
E a injustiça que sentimos não é pela comparação de inveja, mas antes pela separação geográfica, cultural e econômica. Por que podem condomínios, shoppings e outros empreendimentos no entorno das Lagoas? Por que não há nenhum pescador morando próximo à orla das praia ou lagoas do RJ?
Observamos com amargura que não há estudo sobre os desempregados, os sem teto, os que moram nas ruas, enquanto uma elite global de negócios da indústria e do turismo está em uma zona protegida da cidade. É a sucessão dos bem-sucedidos, dos poderosos que atribuem generosos benefícios a si próprios a partir dos recursos da sociedade e que nos condena cada vez mais a uma miséria sem perspectiva e removidos, exilados, enquanto esta elite global vive num mundo acolchoado, em que tudo pode ser feito e refeito, num mundo onde não há lugar para duras realidades, como a pobreza, nem para a indignidade, nem para a humilhação de ser incapaz de participar do “jogo do consumo”. Somos a comunidade dos fracos e oprimidos.
Desejamos ser vistos como uma comunidade que não é descartável, que tem uma história, a história da laboriosa construção da nossa memória. E que cada passo que nos afasta da nossa casa, da nossa comunidade, vemos como mais uma catástrofe que empilha destroços sobre destroços, nos faz sentir como hebreus escravos no Egito, enquanto grupos imobiliários ou políticos privilegiados podem desfrutar de segurança existencial, luxo negado ao resto.
Desenraizados, não haverá para nós dignidade, mérito e honra. Seguir outro caminho, sem alma, sem laços, sem identidade, sem companhia, sem vizinhos, obedecer aos decretos e as remoções, sem chance de escolha, nos leva a detestar a tudo e a todos, é desumano.
Destruir os laços comunitários que nos mantêm em uma comunidade natural, seria nos submeter pela coação, nua e sem sentido, à perda da dignidade, mérito e honra. E a imagem que vai nos restar é a de que o lugar de nossas casas não passa agora de pegadas, espaços vazios, lembranças apagadas pelos ventos, como já aconteceu no passado. E o lugar para onde iremos estará vazio de valor moral, de memória humana, de hospitalidade, repulsivo. Desapareceram o carteiro que nos conhece, a escola que nossos filhos estudam, a igreja que freqüentamos. Nestes lugares estarão os Condomínios, os Shoppings os Resorts, ( Marapendi é testemunha) as cadeias de boutiques impessoais.
O aconchego do nosso lar, nossos laços de sangue devem ser buscados diariamente, na linha de frente, na luta diária, reconstruindo sempre a nossa unidade através de um acordo e de um entendimento comum, mesmo que seja um único acordo disponível.
IV – Do pedido à SERLA
Cada passo que nos afasta da nossa Comunidade será visto por nós como uma iniqüidade. O balanço do passado nos indica que não houve nenhuma ação protetora a favor dos pescadores e do seu “habitat”. A afirmação de que causamos poluição ambiental é proferida por pessoas privilegiadas social e culturalmente, não falam por nós, mas por aqueles que consideram o mundo uma ostra de sua propriedade e mundo este que só está disponível para um grupo seleto de pessoas, que por sua vez não aceitam que podemos viver em uma época que pode ser ao mesmo tempo de emancipação, inclusão, autonomia, compromisso social e ambiental, nos tornando portadores de direitos, de sentimentos de segurança, compartilhamento, parceria, evitando que todos nós fiquemos catatônicos e frustrados em nossas ações, e dando às nossas vidas um sentido humano.
A nossa permanência aqui não oferece riscos à sociedade e nem ao meio ambiente. Seguirmos rigorosamente o caminho que a SERLA nos indicar, suplicando à SERLA não nos negar o que necessitamos. Sabemos ser a SERLA um órgão técnico, mas suplicamos aos seus dirigentes uma aproximação social e reflexão sobre:
“Qual dos direitos é o mais forte - forte o bastante para anular ou por de lado as demandas que invocam o outro? ”
(Charles Taylor)
COMUNIDADE VILA AUTÓDROMO – ASSOCIAÇÃO DE MORADORES, PESCADORES E AMIGOS DA VILA AUTÓDROMO.
BAIXADA DE JACAREPAGUÁ – RIO DE JANEIRO – BRASIL.
2 comentários:
A comunidade Bosque Montserrat em Vargem pequena, foi da mesma forma que a Vila Autódromo, declarada área de especial interesse social, em área desaproprida para fins de habitação pelo então Governador Leonel Brizola. Hoje contamos com total infra-estrutura, água encanada, esgoto, asfalto, praça, quadra de esporte, creche etc.. Por que não fazer o mesmo com a Vila Autódromo? Não a remoção Sim a urbanização.
Faltou pontuar que o assassinato do líder comunitário Tenório ocorreu poucas semanas após o mesmo ter um desentendimento, em público, com o então subprefeito da Barra da Tijuca Eduardo Paes.
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