13 de fevereiro de 2010

ATO DE RESISTÊNCIA CONTRA REMOÇÃO

Comunidades ameaçadas de remoção fazem manifestação em frente à prefeitura do Rio

Agência Brasil

Publicação: 10/02/2010 18:48
Rio de Janeiro - Representantes de 119 comunidades, lideradas pela Vila Autódromo, protestaram nesta quarta (10/2) em frente à prefeitura, na Cidade Nova, contra a possibilidade de remoção dos moradores para áreas mais distantes. O protesto teve apoio de militantes de movimentos populares pela moradia e ocupações urbanas. Mais de 250 pessoas participaram do ato, que transcorreu sem incidentes.

Segundo participantes do protesto, o secretário municipal de Habitação, Jorge Bittar, recebou ontem (9) alguns líderes comunitários com os quais se comprometeu a fazer a intermediação com o prefeito Eduardo Paes para que os moradores permaneçam nas comunidades. Hoje o prefeito chamou uma comissão de moradores para um diálogo.

De acordo com o presidente da Associação de Moradores da Vila Autódromo, Altair Guimarães, o prefeito manifestou disposição para dialogar com os moradores das comunidades e ressaltou que sua posição em relação às remoções não é a que está sendo apresentada pela mídia.

Ele disse que os moradores da Vila Autódromo sofre com o processo de remoção há mais de 16 anos. “Existe uma ação judicial a ser julgada e talvez seja por isso que a comunidade se mantém até hoje, pois temos o título de posse dado pelo governo Leonel Brizola [1983-1987 e 1991-1994]”, afirmou o líder comunitário.

Guimarães disse que as manifestações contra a remoção voltaram a ser realizadas com a escolha do Rio de Janeiro para sede dos Jogos Olímpicos de 2016. “Não há lugar na cidade para o pobre. Eles querem fazer uma limpeza social, e a gente não aceita. Somos nós que elegemos eles, e depois que eles estão instalados no poder acham que podem fazer das nossas vidas o que querem”, criticou.

Construída por pescadores, a comunidade da Vila Autódromo existe há 40 anos na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio. Em 2007, durante os Jogos Pan-Americanos, as casas da vila foram marcadas pela Secretaria Municipal de Habitação e os moradores foram cadastrados. O motivo da provável remoção dos moradores é a construção na localidade do Centro de Mídia e de outras obras previstas para os Jogos Olímpicos.

CARTA ABERTA DAS COMUNIDADES AO PREFEITO

Rio de Janeiro, 10 de fevereiro de 2010
CARTA ABERTA DAS COMUNIDADES AO PREFEITO SR. EDUARDO PAES.
Nós, moradores das ll9 Comunidades e Ocupações que estão sendo ameaçadas de remoção devido aos projetos de intervenção urbana propostos pelo Poder Público Municipal, vimos, através da presente, considerar que:
• a população desta Cidade já sofre há décadas com a exclusão do direito à moradia, que inexiste ou é precária para uma parcela relevante de seus cidadãos, condição que tem se agravado enormemente em sua gestão;
• o simples e irresponsável anúncio de remoção e despejos pela Prefeitura, causam rupturas nas células familiares, incapacitando seus membros de maneira desastrosa para a vida em sociedade;
• as leis que favorecem aos pobres devem ser duradouras, defendidas e cumpridas e não podem ser atropeladas, alteradas ou flexibilizadas ao sabor de interesses levianos, como foi o exemplo do processo de aprovação do Projeto de Lei Complementar nº 33/2009 que institui o Projeto de Estruturação Urbana (PEU) das Vargens.
• são falsas as idéias de dano ambiental causado pelas Comunidades: Vila Autódromo, Arroio Pavuna, Canal do Anil, Canal do Cortado, Santa Luzia, Alto Camorim, Alto da Boa Vista, Horto Florestal e outras;
• as grandes construções e negócios envolvendo o dinheiro público – como a Vila do Pan, a Cidade da Música, o Engenhão, Shopping Center no Estádio de Remo da Lagoa, garagem para barcos na Marina da Glória, Arena Multiuso, Centro de Mídia Independente, estacionamentos e outros espaços para servir a grandes eventos e à indústria cultural – causam grandes impactos sociais e ambientais, e que, em uma cidade justa, os mais importantes projetos urbanos são pensados e executados com o povo e para o povo, que é quem a sustenta;
• é ilegal, imoral e devem ser denunciadas as práticas de racismo social e ambiental e a política de ‘limpeza social’ em áreas como Centro, Barra, Recreio ,Vargens e o Alto da Boa Vista, que se traduz em perseguições às comunidades de Vila Autódromo, Alto da Boa Vista, Alto Camorim, Canal do Anil, Arroio Pavuna, Vila Harmonia e Horto Florestal.
Nesse sentido, reportando-nos à Carta Compromisso assinada em l7/10/2008 por Vossa Excelência, quando da campanha para a eleição ao cargo de Prefeito, em consonância com todos os presentes, líderes e representantes dos Partidos que o apoiaram, vimos lembrar-lhe, entre outros compromissos assumidos, aquele que diz: “È fundamental que a nova gestão da prefeitura do Rio, interrompa a política de remoção das Comunidades”.
Em conformidade com tal compromisso e na condição de cidadãos, trabalhadores e contribuintes desta Cidade, nos consideramos no direito de cobrar que:
1. seja honrada a sua assinatura e as afirmações constantes da Carta Compromisso citada;
2. sejam respeitados: a Lei Orgânica do Município, artº 429; a Constituição Estadual, artº 234; a Constituição Federal, artº 6º; a Declaração Universal dos Direitos do Homem, artº. XXV; o Pacto Internacional dos Direitos Sociais, Econômicos e Culturais, artº 11º; o Comentário Geral nº 4 do Comitê das Nações Unidas de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais; o Estatuto das Cidades; os títulos de concessão de uso real resolúvel e as declarações de posse registradas em cartório;
3. sejam respeitados os nossos lares, nossa dignidade, nossas Comunidades, nossa história e nossas famílias;
4. o Plano Diretor da Cidade a ser implantado seja justo e participativo, resultado de ampla discussão democrática, com audiências públicas locais, amplamente divulgadas, onde seja escutada toda a população, sobretudo as comunidades socialmente excluídas;
5. os grandes projetos urbanísticos, turísticos, de eventos midiáticos, de negócios esportivos e imobiliários ou semelhantes, financiados com o dinheiro de povo, não tenham como custo maior a violência, traduzida em exclusão, discriminação social e ambiental, deslocamentos forçados e ameaça de remoção, como tem sido o caso na Comunidade Vila Autódromo e nas Ocupações do Centro;
6. seja reconhecido que o caos, a desordem urbana e a poluição ambiental da Cidade têm como principais causas um modelo econômico injusto e excludente e um modelo de transporte baseado no privilégio ao transporte rodoviário, de acordo com os interesses do capital, e que os projetos de grandes eventos, mobilidade e acessibilidade que seguem esses modelos em nada contribuem para a redução da referida desordem;
7. seja reconhecido que a poluição ambiental dos canais, rios e lagoas devem ser debitadas na conta das grandes indústrias, dos grandes condomínios, da ausência de saneamento básico e de regulação e não das comunidades naturais, como têm afirmado reiteradamente o discurso daqueles que detêm o poder, numa intenção propositada, de atribuir aos mais vulneráveis a responsabilidade por toda a sujeira que assola nossa cidade;
Na certeza de um pronto atendimento às nossas reivindicações, aguardamos posicionamento.
Atenciosamente,
MOVIMENTO OLIMPÍADAS NÃO JUSTIFICAM REMOÇÕES

Manifestação contra remoção

Manifestantes se reúnem em frente à Prefeitura do Rio contra ameaça de remoções

Manifestantes se reúnem em frente à Prefeitura do Rio contra  ameaça de remoções. Foto: Sheila Jacob/NPC

Manifestantes se reúnem em frente à Prefeitura do Rio contra ameaça de remoções. Foto: Sheila Jacob/NPC

Do Núcleo Piratininga de Comunicação

Nesta quarta-feira, 10 de fevereiro, cerca de 200 pessoas se reuniram em frente à Prefeitura do Rio para manifestar sua posição contrária à remoção de 119 favelas. A relação das comunidades foi divulgada em uma matéria do jornal O Globo no início do ano. Após o anúncio, moradores e lideranças de comunidades formaram o Movimento Olimpíadas Não Justifica Remoção, para garantir seu direito à moradia e condições dignas de vida.

Vera Lúcia Araújo, moradora da Vila Autódromo, foi uma das que estiveram presentes para mostrar sua indignação com o anúncio da saída. “Eu moro naquela área há mais de quarenta anos. Foi lá que eu fui construindo aos poucos a minha casa, todo rendimento que eu tinha eu investia nela. Nunca ia imaginar que ia acontecer uma catástrofe dessas, de quererem tirar a gente”.

Outro manifestante foi Antonio Alonso, do Alto Camorim – uma das comunidades ameaçadas. A justificativa, neste caso, é ambiental, já que a comunidade está no entorno do Parque Estadual da Pedra Branca. Segundo ele, próximo à comunidade, na mesma área, existem condomínios de mansões que ficarão intactos, mostrando diferenças de atitudes de acordo com a classe social. “Essas casas enormes teriam que ser proibidas pelo mesmo motivo nosso, mas elas não estão ameaçadas. Nossa comunidade é muito antiga, e todos querem ficar”.

Presidente da AMVA, Altair GuimarãesSegundo Altair Guimarães (foto ao lado), presidente da Associação de Moradores da Vila Autódromo (AMVA), a realização dos Jogos Olímpicos é apenas um pretexto para retirar a comunidade, que fica na Barra da Tijuca, região nobre na zona oeste do Rio, e já foi ameaçada de sair outras vezes. “Sabemos que existe o problema da especulação imobiliária naquela região de muitas posses, e que muitos consideram que a nossa favela polui visualmente o bairro. Nós também somos humanos e queremos condições dignas de vida, ao invés de sair de lá”.

Maria de Lourdes, do Movimento Nacional de Luta pela Moradia, resumiu as principais reivindicações: “Os moradores aqui presentes não querem discutir remoção, mas sim fazer valer seu direito à permanência. Já em casos de risco, após ser apresentado o laudo técnico aos moradores, a comunidade deve ser reassentada para área próxima, de convívio social daquelas famílias. Tudo isso deve ser feito em diálogo com todo mundo, claro”.

Prefeito do Rio recebe lideranças de comunidades

O prefeito Eduardo Paes (PMDB/RJ) recebeu na quarta-feira, por volta das 14h, uma comissão com 16 representantes de comunidades, dentre elas Vila Autódromo, Arroio Pavuna, Camorim, Canal do Anil, Taboinhas de Vargem Grande, Horto, Pau da Fome, Pontal Recreio dos Bandeirantes, além de Maria Lourdes, do Movimento Nacional de Luta pela Moradia, e Rossino Diniz, presidente da Federação das Associações de Moradores de Favelas do Rio (FAFERJ).

Prefeito do Rio recebe lideranças de comunidades para falar sobre  remoções. Foto: Sheila Jacob/NPC

Prefeito do Rio recebe lideranças de comunidades para falar sobre remoções. Foto: Sheila Jacob/NPC

Após ouvir os anseios dos presentes, ao final do encontro foi marcada uma reunião para tratar da situação especial da Vila Autódromo, pois o motivo para o reassentamento das famílias é a realização dos Jogos Olímpicos em 2016. Para aquela área está prevista a construção do Centro de Mídia e do Centro Olímpico de Treinamento. Os moradores, entretanto, não querem sair de suas casas, o que já vêm afirmando desde novembro do ano passado em assembleias realizadas na comunidade. A reunião para tratar desse caso específico será no dia 3 de março, às 8h, na própria Prefeitura, e foi confirmada pelo prefeito e pelo presidente da AMVA, Altair Guimarães.

No início do ano, um grupo de moradores da Vila Autódromo, acompanhados da Defensoria Pública, já haviam solicitado a permanência de suas casas, em uma reunião com o Secretário de Habitação do Município, Jorge Bittar (PT/RJ). “Nós já temos o título de posse. O que queremos é continuar onde estamos, mesmo com as Olimpíadas ali. Vai ser muito melhor para a gestão do prefeito ‘ajeitar’ o local em que moramos, oferecendo boas condições para a gente”, afirmou Guimarães.

Em relação às outras comunidades, o prefeito garantiu que nenhuma medida será tomada sem diálogo e acordo prévio com os moradores. Os representantes na reunião cobraram a regularização fundiária, além de melhorias. Paes disse estar em seus planos um projeto de urbanização de todas as cerca de 500 favelas do Rio, o que vem chamando de “Programa de Urbanização Acelerada”. Para isso, seria necessário um investimento de cerca de R$ 5 bilhões. Falta conseguir o apoio do Governo Federal e outros fundos de investimento.